sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

R.I.P. AVÔ!

...Ou o falecimento do AMADEU DA FARMÁCIA!

A história de São João da Madeira no século XX fez-se de empreendedorismo, grandes conquistas e enorme progresso. Assim se passou de Freguesia a Concelho, assim se viu nascer uma Misericórdia de referência, uma linha do Vouga e uma indústria de sonho no panorama Nacional.

Esta terra laboriosa assim cresceu, fruto da dedicação, do empenho e do trabalho de muitos ilustres Sanjoanenses, de vários quadrantes da sociedade.

Numa altura em que os serviços na área da saúde eram escassos na região, os trabalhadores das empresas de SJM e os habitantes da zona confiavam, inúmeras vezes, os seus cuidados de saúde aos farmacêuticos locais.

Na nossa cidade permanecerão para sempre ligados à história local dos últimos 70 anos, três nomes nesta área: o Sr. Mendes, o “Zeca da farmácia” e o “Amadeu da Farmácia”.

Deste último tenho o enorme privilégio de ser neto. Portanto, não contem com isenção ou distanciamento nesta crónica, sou suspeito e é na condição de seu neto que hoje escrevo.

Vamos a factos: o meu avô morreu no passado Sábado!

Continuemos nos factos: estou absolutamente destroçado por esse facto!

No ano em que falece o meu avô faz também 75 anos que iniciou uma longa vida de farmacêutico. Começou a aprender a arte aos nove anos, depois de ter feito com distinção o exame da 4.ª classe. A comprovar isso mesmo temos uma foto dele, nessa idade, na “pasteleira” que usava para fazer recados ou levar medicamentos.

Cresceu, constituiu família na Quintã e tornou-se um profissional extremamente fiel e dedicado ao seu trabalho, à sua entidade patronal.

Quando foi inaugurada a Farmácia Lamar, o meu avô saiu da Laranjeira para lá.

O Amadeu era rígido, duro, austero na forma de encarar o trabalho e a família, um conservador dos “7 costados”. Tinha apenas duas paixões: a farmácia (o trabalho, portanto) que era a menina dos seus olhos, pela qual zelava como se fosse sua, como se fosse o seu bem mais precioso e a família.

Creio que havia uma “nobreza” na sua arte, na sua profissão, um respeito, que hoje não se verifica! O Farmacêutico era uma espécie de Alquimista com aspecto de Doutor, de médico. Hoje, infelizmente na generalidade dos casos, estudam cinco anos na faculdade para acabarem atrás de um balcão a vender medicamentos. É uma grande diferença!

Tenho a vantagem e, ao mesmo tempo, o handicap de ser o neto mais velho dos dois lados da minha família mas isso fez com que criasse uma ligação muito diferente e muito especial com os meus dois avôs (o Isaías e o Amadeu).

No caso do Amadeu, como orgulhosamente expressava, eu era o seu “NETO VARÃO!” (demorei anos a entender o que queria dizer com isso).

Cheguei a dormir com ele na farmácia uma ou outra vez, assim como com o meu pai (que lhe seguiu as pisadas na profissão) e todos os domingos saíamos de manhã, após o 70X7 que dava na RTP, no seu SUNBEAM (tão mal que ele conduzia ehehehehe) para fazermos a ronda de injecções e curativos de casa em casa, de cliente em cliente. Na volta, passávamos na padaria e trazia uma regueifa para casa. A família almoçava junta e da parte da tarde jogava com os netos à piorra (rapa, tira, deita, põe) e ao burro.

Se era duro no trabalho e na vida que levava, era um avô empolgado, atento, brioso, orgulhoso dos seus netos, afectuoso (até demais, tinha um gesto de carinho, uma festa que nos fazia na cara, que detestávamos, ehehe).

Dava-nos muito de si, do seu tempo e cuidava sempre de nós. Quantas mezinhas, tratamentos e curativos não foi ele a fazer-nos…

O meu avô era vaidoso, gostava que lhe referíssemos como era importante para nós, como era o melhor naquilo que fazia e de facto, para nós, sempre foi!

Envelheceu, enviuvou e envelheceu ainda mais depois disso.

Nas últimas três semanas ficou muito doente e nas últimas duas foi-lhe diagnosticada uma pneumonia muito grave.

Creio que quando saiu de casa para o hospital tinha consciência do desfecho que esta história teria. Tive tempo para carinhosamente lhe dizer ao ouvido o que queria, uma repetição do que lhe escrevi no ano passado por alturas do seu aniversário.

Apenas desejei que na última das cerimónias, na despedida, tivesse um momento digno da pessoa que foi e felizmente foi isso que aconteceu.

Foram largas dezenas de pessoas que se dirigiram para lhe prestarem uma última homenagem. Fiquei absolutamente emocionado com um factor que define o meu avô.

Mais do que elites, o meu avô teve no seu funeral amigos, familiares e muitos, muitos, imensos operários, ex-trabalhadores da Oliva e de tantas outras fábricas do concelho. Era nesse meio que ele se sentia bem, era no meio do povo.

Numa das dezenas de mensagens pela internet que recebi, destaco uma, de uma amiga e que (espero que ela não me leve a mal) passo a transcrever:

“Que mais há para dizer que os meus sentimentos pela grande perda, mas o Sr. Amadeu será sempre recordado, se mais não for, como "o médico dos pobres" e esse reconhecimento é GRANDE... Força estoica hoje e sempre!”

Em meu nome, muito obrigado a todos quantos se juntaram a mim e à minha família na sua despedida. Quanto a ti Amadeu, espero ser digno do sobrenome que de ti herdei e fazer perpetuar as memórias dos tempos que vivemos, junto do meu filho, teu “BISNETO VARÃO”.

Um enorme beijo e… até já!

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